Só escrevendo IV [odeio numerais romanos.]
-Verdade... verdade... O que é verdade?
-Isso foi uma pergunta?
-Acho que sim.
Ela pegou um pouco mais de salgadinho e foi pondo na boca enquanto falava.
-Não vale, pergunta mais de gente boba. Faz uma pergunta de verdade vai.
-Tá. Então diz ai, como foi que você veio parar aqui?
-Ok, eu escolho desafio.
-Ah, isso não vale!
Ela olhou pra baixo, quieta, mastigando. O que falar?, pensou ela.
-Eu vim de...
-Te desafio à arrumar minha casa. -Era justo. Ele ajudou ela ela ajudava ele. E ninguém precisaria saber da vida de ninguém. Ele fez isso porque sabia do risco dela perguntar a mesma coisa pra ele, e uma coisa que ele odiava era falar de si mesmo. Não que tivesse um segredo, era por não gostar de abrir sua vida pra qualquer um, desde criança ele preferia guardar seus problemas pra si próprio.
Ela olhou ao redor e disse "tá" de um jeito meio aliviada.
Os dois estavam aliviados, a vassoura já estava nas mãos de Clarice e Carlos já no sofá olhava manchas escuras de umidade no teto. Quem olhasse de fora diria que eles são casados, ou moram juntos ha muito tempo. O tipo de casal que nem precisa de comunicação na hora do café da manhã, o homem estica a mão, a mulher passa a manteiga nas mãos dele, ele, depois de passar a manteiga no pão espeta a faca na manteiga, e com um olhar da mulher ele lembra como ela odeia que ele faça isso, e des-espeta a faca da manteiga.
E isso no momento era o que os dois mais odiavam.
Tem gente que consegue ficar feliz pra sempre se tiver alguma coisa realmente boa, já outras pessoas, com uma coisa desagradável ou boa ficam felizes nos primeiros 5 minutos. Depois vem o tédio.
Cinco minutos se passaram.
E eu juro pra vocês que nunca vi uma lixeira ser enchida tão rápida. Ela olhou pra ele, ainda tinha alguma bagunça à ser arrumada, mas agora já dava pra perceber que alguém morava ali.
O rosto dele. Ele tinha um segredo. Ela sabia que tinha, ele olhava pro teto, mas é como se ele visse algo mais que um teto.
Ele sentiu o olhar. Sabia que lá ao lado dele, havia uma menina, que tinha tanta vida que a vida transbordava pro ambiente que ela estava, pras pessoas ao seu redor.
-Queria voar...
Ele olhou enquanto ela continuava:
-...e queria também ter uma daquelas mutações, poderes, sei lá. Se essa vassoura levantasse vôo agora já ia me deixar feliz.
Ele continuou olhando e pensando se ela realmente estava querendo dizer alguma coisa ou se só estava quebrando o silêncio.
-Não. Sério, não sou louca nem nada, mas você já sentiu a necessidade de algo que você não entendesse? É... algo que a ciência e os documentários não explicassem, algo que em escola nem faculdade nenhuma você aprendesse.
Agora ele havia entendido. E agora era a hora dele falar alguma coisa encima daquilo, antes que a conversa morresse.
-Você já fez faculdade?
-É. Mas parei.
-Parou por que? [e sem perceber ele havia entrado na vida pessoal dela.]
-Aconteceram algumas coisas. No fim, já existem professoras de matemática demais no mundo, nem deram por minha falta. Sabia que alguns cursos chegam à mais de 50% de desistência?
E como era impressionante a capacidade daquela garota [como disse se chamava mesmo?] de mudar o assunto pro mais longe possível da vida pessoal dela.
Ele tentou falar da vida dele. Quando uma pessoa que nem o Carlos quer alguma coisa, faz o inverso do que quer, só por não saber como pedir.
-Eu estava bem no meu emprego e tudo mais. E um dia, foi uma coisa meio estranha, eu estava voltando de ônibus, um ônibus com todos os bancos ocupados. Do meu lado, o cara reclamava à cada farol vermelho que o motorista parava. E dai, lá na frente, tinha uma criança chorando. A mãe dela dava tapinhas, ficava constrangida pela filha estar chamando a atenção de todos os outros, enquanto o cara do meu lado achava a criança um motivo a mais pra se aborrecer. - Ela parecia estar realmente interessada. Pelo que ele lembrava era a primeira vez que ele conseguia contar uma história sem fazer a outra pessoa perder totalmente o interesse nas primeiras 3 palavras. - Foi então - ele fez um drama nessa parte. Estava gostando de contar historias. - que o ônibus atropelou um ciclista que passava distraído. Na hora eu ouvi um barulho tipo 'tun' lá na frente, vi todo mundo levantando de seus lugares e espiando, a porta abriu e cobrador e motorista desceram.
-Hum... e ai? que aconteceu?
-Além disso, nada.
-Ah...
-Mas!... nos 5 minutos que cobrador e motorista estavam fora do ônibus, o ônibus ainda com a chave na ignição, eu tive vontade de assumir o volante, e fugir com aquele ônibus pro mais longe que o combustível deixasse. Me imaginei fugindo da policia e usando uma moça de vestido rosa como refém. Imaginei que depois de um tempo naquilo se formariam os casais, as manchetes na tv e... e dai chegou meu ponto.
-E você queria o que com aquilo?
Ele se sentia num psicólogo.
-Eu lembro também de ter pensado que seria legal se eu batesse com o ônibus e acabasse com a vida de todo mundo lá... sabe, você já quis matar alguém como um favor pra pessoa?
-Quer sair?
-Ahn? Sair? Pra onde? Por que?
-É a melhor desculpa pra eu poder parar de arrumar sua casa.
-Hah! Tá bom! - ele ainda estava de tênis. Foi só sair.
Enquanto desciam as escadas ela perguntou:
-Mas o que isso tem a ver mesmo com o seu emprego?
-hummm... - pensou ele pela primeira vez. ou talvez já tivesse pensado aquilo, mas as palavras que sairam da sua boca pareceram genuínas. - Eu senti aquela hora que eu estava deixando de fazer tudo que eu realmente queria. Ia me tornar um cara que senta do lado das pessoas nos bancos e fica resmungando, a sensação de que eu ia ser tudo que eu não odeio, tudo que eu mais criticava, pra depois morrer atropelado por um onibus qualquer me deprimiu. -Não, espera, eu posso fazer melhor que isso, pensou - Eu queria viver. Existir nem que fosse só pra mim, nem que fosse breve, queria que uma vez na historia desse planeta alguém sentisse a vida de verdade em todas as suas formas... me senti um garoto de treze anos falando de algum plano revolucionario agora....
-Hahaha!
É... aquele sorriso. Não dava pra existir mais que aquilo.
[continua. (isso é quase uma promessa)]
-Isso foi uma pergunta?
-Acho que sim.
Ela pegou um pouco mais de salgadinho e foi pondo na boca enquanto falava.
-Não vale, pergunta mais de gente boba. Faz uma pergunta de verdade vai.
-Tá. Então diz ai, como foi que você veio parar aqui?
-Ok, eu escolho desafio.
-Ah, isso não vale!
Ela olhou pra baixo, quieta, mastigando. O que falar?, pensou ela.
-Eu vim de...
-Te desafio à arrumar minha casa. -Era justo. Ele ajudou ela ela ajudava ele. E ninguém precisaria saber da vida de ninguém. Ele fez isso porque sabia do risco dela perguntar a mesma coisa pra ele, e uma coisa que ele odiava era falar de si mesmo. Não que tivesse um segredo, era por não gostar de abrir sua vida pra qualquer um, desde criança ele preferia guardar seus problemas pra si próprio.
Ela olhou ao redor e disse "tá" de um jeito meio aliviada.
Os dois estavam aliviados, a vassoura já estava nas mãos de Clarice e Carlos já no sofá olhava manchas escuras de umidade no teto. Quem olhasse de fora diria que eles são casados, ou moram juntos ha muito tempo. O tipo de casal que nem precisa de comunicação na hora do café da manhã, o homem estica a mão, a mulher passa a manteiga nas mãos dele, ele, depois de passar a manteiga no pão espeta a faca na manteiga, e com um olhar da mulher ele lembra como ela odeia que ele faça isso, e des-espeta a faca da manteiga.
E isso no momento era o que os dois mais odiavam.
Tem gente que consegue ficar feliz pra sempre se tiver alguma coisa realmente boa, já outras pessoas, com uma coisa desagradável ou boa ficam felizes nos primeiros 5 minutos. Depois vem o tédio.
Cinco minutos se passaram.
E eu juro pra vocês que nunca vi uma lixeira ser enchida tão rápida. Ela olhou pra ele, ainda tinha alguma bagunça à ser arrumada, mas agora já dava pra perceber que alguém morava ali.
O rosto dele. Ele tinha um segredo. Ela sabia que tinha, ele olhava pro teto, mas é como se ele visse algo mais que um teto.
Ele sentiu o olhar. Sabia que lá ao lado dele, havia uma menina, que tinha tanta vida que a vida transbordava pro ambiente que ela estava, pras pessoas ao seu redor.
-Queria voar...
Ele olhou enquanto ela continuava:
-...e queria também ter uma daquelas mutações, poderes, sei lá. Se essa vassoura levantasse vôo agora já ia me deixar feliz.
Ele continuou olhando e pensando se ela realmente estava querendo dizer alguma coisa ou se só estava quebrando o silêncio.
-Não. Sério, não sou louca nem nada, mas você já sentiu a necessidade de algo que você não entendesse? É... algo que a ciência e os documentários não explicassem, algo que em escola nem faculdade nenhuma você aprendesse.
Agora ele havia entendido. E agora era a hora dele falar alguma coisa encima daquilo, antes que a conversa morresse.
-Você já fez faculdade?
-É. Mas parei.
-Parou por que? [e sem perceber ele havia entrado na vida pessoal dela.]
-Aconteceram algumas coisas. No fim, já existem professoras de matemática demais no mundo, nem deram por minha falta. Sabia que alguns cursos chegam à mais de 50% de desistência?
E como era impressionante a capacidade daquela garota [como disse se chamava mesmo?] de mudar o assunto pro mais longe possível da vida pessoal dela.
Ele tentou falar da vida dele. Quando uma pessoa que nem o Carlos quer alguma coisa, faz o inverso do que quer, só por não saber como pedir.
-Eu estava bem no meu emprego e tudo mais. E um dia, foi uma coisa meio estranha, eu estava voltando de ônibus, um ônibus com todos os bancos ocupados. Do meu lado, o cara reclamava à cada farol vermelho que o motorista parava. E dai, lá na frente, tinha uma criança chorando. A mãe dela dava tapinhas, ficava constrangida pela filha estar chamando a atenção de todos os outros, enquanto o cara do meu lado achava a criança um motivo a mais pra se aborrecer. - Ela parecia estar realmente interessada. Pelo que ele lembrava era a primeira vez que ele conseguia contar uma história sem fazer a outra pessoa perder totalmente o interesse nas primeiras 3 palavras. - Foi então - ele fez um drama nessa parte. Estava gostando de contar historias. - que o ônibus atropelou um ciclista que passava distraído. Na hora eu ouvi um barulho tipo 'tun' lá na frente, vi todo mundo levantando de seus lugares e espiando, a porta abriu e cobrador e motorista desceram.
-Hum... e ai? que aconteceu?
-Além disso, nada.
-Ah...
-Mas!... nos 5 minutos que cobrador e motorista estavam fora do ônibus, o ônibus ainda com a chave na ignição, eu tive vontade de assumir o volante, e fugir com aquele ônibus pro mais longe que o combustível deixasse. Me imaginei fugindo da policia e usando uma moça de vestido rosa como refém. Imaginei que depois de um tempo naquilo se formariam os casais, as manchetes na tv e... e dai chegou meu ponto.
-E você queria o que com aquilo?
Ele se sentia num psicólogo.
-Eu lembro também de ter pensado que seria legal se eu batesse com o ônibus e acabasse com a vida de todo mundo lá... sabe, você já quis matar alguém como um favor pra pessoa?
-Quer sair?
-Ahn? Sair? Pra onde? Por que?
-É a melhor desculpa pra eu poder parar de arrumar sua casa.
-Hah! Tá bom! - ele ainda estava de tênis. Foi só sair.
Enquanto desciam as escadas ela perguntou:
-Mas o que isso tem a ver mesmo com o seu emprego?
-hummm... - pensou ele pela primeira vez. ou talvez já tivesse pensado aquilo, mas as palavras que sairam da sua boca pareceram genuínas. - Eu senti aquela hora que eu estava deixando de fazer tudo que eu realmente queria. Ia me tornar um cara que senta do lado das pessoas nos bancos e fica resmungando, a sensação de que eu ia ser tudo que eu não odeio, tudo que eu mais criticava, pra depois morrer atropelado por um onibus qualquer me deprimiu. -Não, espera, eu posso fazer melhor que isso, pensou - Eu queria viver. Existir nem que fosse só pra mim, nem que fosse breve, queria que uma vez na historia desse planeta alguém sentisse a vida de verdade em todas as suas formas... me senti um garoto de treze anos falando de algum plano revolucionario agora....
-Hahaha!
É... aquele sorriso. Não dava pra existir mais que aquilo.
[continua. (isso é quase uma promessa)]
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nenli
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